Seu Joca, caboclo, nascido nas barrancas do sertão do Velho Chico, pescador de muitas estórias e vaqueiro de muitas vantagens e proezas, vividas no lombo do seu já inexistente cavalo “Bodoque”, durante as pegas de boi brabo, na caatinga fechada, correndo estreito entre mandacarus, xique-xiques, rasga-beiços e outras espécies da vegetação nativa das caatingas do Nordeste Brasileiro.
Bem humorado, sempre tinha uma resposta pronta na ponta da língua, para qualquer pergunta, desde que lhe favorecesse, é claro. Só ficava encabulado quando perguntavam a sua idade, coisa que ele escondia até da dona Maroca, sua companheira, que o ajudava concordando sempre com as respostas vantajosas a favor do caboclo.
Com certeza, seu Joca já transportava sobre ombros, no mínimo, umas sete décadas de existência, demarcando com os seus rastros, as léguas de caminhos daquela terra sertaneja que lhe viu nascer com a graça de Deus, na ribeira do rio São Francisco.
Um dia, um moço vindo da cidade, contratado pelo IBGE para fazer o censo daquela região, apeou na porta da casa do seu Joca e depois de alguns dedos de prosa, onde o assunto principal girava em torno das grandes pescarias e das excitantes e perigosas pegas de bois, das quais o caboclo Joca era sempre o personagem principal; iniciou a entrevista para coleta das informações, motivo pelo o qual tinha chegado até aquelas paragens.
A conversa ia de boa para melhor, até que num exato momento, inevitavelmente, o rapaz perguntou a idade do caboclo.
Ele ficou vermelho, tirou o cigarro de palha que descansava atrás da orelha, acendeu-o, deu duas baforadas, assuntou um pouco e disparou:
- Óia aqui moço, a conversa bem que tava boa, eu já tava inté tomando gosto na prosa, mais já tá na hora de nóis mudá de assunto.
Como o rapaz insistiu, ele respondeu:
- Num acha que é farta de inducação querer saber a idade dos outros? Se for pra móde saber se eu voto, eu posso responder que já votei muitas veiz e agaranto que ninguém consegue votá mais do que eu. Só pra vosmicê ter idéia, na última inleição eu votei a mando do coroné Sinhô, em trêis lugá deferente. Agora se vosmicê tá tão curioso com a minha idade, quantos anos imagina que eu tenho?
O rapaz para ser agradável e tentando chegar à verdadeira idade do Seu Joca, deu um palpite bem generoso:
Uns cinqüenta, não mais, eu acho...
Um sorriso abriu-se largo, no rosto do velho caboclo, que gritou para a companheira: Vem cá Maroca, danou-se! O cabra é sabido de mais! Vem logo muié, vem conhecer um adivinho.
E a dona Maroca, torcendo a ponta da inseparável toalha branca, que carregava sobre o ombro esquerdo, arrematou:
- Ô Joca, entonse aproveita e pregunta pra o moço, pra móde vê se ele aduvinha quando vai chuver pur essas banda.
E o recenseador teve que ir embora, levando na prancheta os cinqüenta anos de idade que ele mesmo propôs para o caboclo Joca.
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