terça-feira, 13 de outubro de 2009

O ORIUNDO

A platéia xingava, aplaudia, vaiava e gritava palavras nada apropriadas para um programa de televisão exibido num horário, classificado pelas emissoras de TVs, como nobre.

O público presente naquele auditório/estúdio parecia estar, de fato, nas arquibancadas de um circo de terceira categoria, em cujo picadeiro estava sendo encenado um “drama”, nada dignificante para os principais personagens daquele espetáculo e muito menos para os telespectadores, que talvez, iguais a mim, paravam acidentalmente, naquele canal por alguns instantes, o necessário para assistir o maior conteúdo de baixarias já exibido pela televisão brasileira.

O cara que apresentava o programa se exibia com um cassetete na mão, de vez em quando, dava bordoadas em cadeiras e mesas que encontrava pela frente gritando de cara cheia na tela: “aqui o pau come”. A platéia ia ao delírio, dava até pra imaginar as placas orientando o público para cada reação, ou talvez fosse tudo espontâneo mesmo. Não duvido nada.

Eu estava sintonizado de verdade, no Programa do Ratinho, na época em que o cara era o dono do horário, não perdia pra ninguém. Era o campeão da baixaria da TV brasileira. Atualmente, infelizmente, tem vários seguidores (as).

Mas, voltemos a nossa história. Os personagens principais eram um casal jovem ainda, beirando os trinta anos. Eles trocavam acusações e diziam impropérios um para outro, o maior repertório de palavrões que eu já ouvi, e, que é pior; aquele palavreado era como se fosse a coisa mais natural do mundo e acredito que deveria ser, tanto para eles, como para a platéia, que incitava os dois a partirem para a agressão física. O que, aliás, era cena quase que obrigatória naquele programa de TV.

Vou tentar reproduzir algumas frases daquela discussão para contar mais ou menos o que aconteceu durante os poucos minutos que fiquei sintonizado no programa.

O sujeito que aquela altura dos acontecimentos, já podia ser classificado como ex-marido dizia: - Olha seu Ratinho, essa mulé e feia demais, não sei que cachaça da peste eu tomei pra enxergar essa gota serena.

Ela respondeu até mesmo antes dele concluir: Feio és tu cabeça de cururu do brejo, ladrão de esmolé, cabuêta de rapariga.

Ele – Eu te deixei, desgraçada, porque tu num vale nada, nem pra puta tu serve.

Ela - Tás querendo se exibir num é? Mais todo mundo te conhece lá na Praça da Sé, gigolô de viado, cabra sem moral, tua cabeça só tem gaia. Isso sim, tu leva muita.

Ele – Cala atua boca, que tu só serve pra dar susto em lobisomem.

Ela – Mais não sou que nem você, que todo mundo que te conhece sabe que tu não passa de um cabra safado e oriundo!

Essa foi a deixa pra começar o festival de troca de tapas e empurrões em pleno programa, cujo apresentador acionou os seguranças, seja, a turma do deixa disso, que já estava pronta pra intervir e separar o ex-casal? Enquanto ele era contigo gritava a plenos pulmões: Oriundo é você e sua mãe que também é igual a você. Você pode me chamar de tudo, menos de oriundo, porque oriundo é você e sua laia.

Depois dessa eu mudei de canal e nunca mais tive a curiosidade de sintonizar naquele programa de TV.

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

DIA CINZA

Vi o dia amanhecendo num tom cinza,
Insistindo em inibir a luz do sol.
E o sol que teimava em aquecer o dia
Só derretia as nuvens escuras,
Molhando os seus raios de aurora
E preguiçosamente dourava a linha do horizonte!

Aquele seria um dia cinza por inteiro
A chuva cairia sem dar trégua para o sol.
Suas águas lavariam ruas e rastros,
E quem sabe...?
Levaria com elas, talvez...
Alguns pedaços de sonhos,
Que eu deixaria que nadassem...
Não sei pra onde!

Devaneios do Zé da Feira, num dia chuvoso, com as costas coladas no colchão, pelo imã da preguiça.

sexta-feira, 19 de junho de 2009

QUEM DERA

Zé da Feira

Quem dera meu Deus, quem dera!
Ver meu povo com alegria,
Convivendo com a paz,
De mãos dadas, com harmonia;
Sem a castração de assistir,
A violência tingir,
De sangue seu dia a dia!

Quem dera ver minha terra
Do medo se libertar,
E ver com tranquilidade
O povo poder andar,
Pelas ruas livremente
E aqui só morrer gente
Quando Deus mandar buscar!

Quem dera ver as crianças
Realmente assistidas.
Com saúde, casa, escola,
Alimentadas e nutridas;
Para não ter a dura sorte,
De ter que encarar a morte,
Sem conhecer nem a vida!

Quem dera ver o camponês
Lavrar a terra e plantar,
Semeando a semente
Para ela germinar;
Dando a mais singela prova,
Que sempre uma vida nova
A terra pode gerar!

Quem dera ver a natureza
Como uma mãe respeitada,
Distribuindo amor,
Sendo pelos filhos amada;
Dando vida e vivendo
Sem ter que viver sofrendo,
Assim tão violentada!

Quem dera ver minha gente
Longe de tão negro abismo,
Poder ver em cada rosto
Espelhar o otimismo.
Quem dera ver meu país,
Sorrir contente e feliz,
Livre do analfabetismo!

Quem dera que tantas guerras,
Não existissem jamais!
Que brotasse aqui na terra
Um sentimento fulgaz,
De amor e de felicidade,
Para que a humanidade
Pudesse viver em Paz!

* Estes verso foram escritos em 1984.

terça-feira, 16 de junho de 2009

MEU CANTO

Zé da Feira

Deixa eu viver bem quieto no meu canto,
No meu recanto, remoendo a minha dor.
Tenho meus sonhos como todo cidadão,
Quero justiça, não esmola nem favor!

Quero respeito e também dignidade,
Ter liberdade e trabalho, sim senhor!
Quero criar o meu filho indo à escola
Para estudar, se formar e ser doutor!

De promessas já estou de saco cheio!
O meu paleio eu já sei como cantar.
Sei levitar na minha imaginação...
Quero sossego pelo menos pra sonhar!

Deixa eu levar essa vida do meu jeito,
Já não aceito que me roubem a ilusão.
Deixa eu sonhar cuidando do meu roçado,
Ouvindo a semente pipocar dentro do chão!

Deixa eu viver bem quieto no meu canto,
Só eu sei quanto é difícil a precisão;
Sou sertanejo que carrega a amargura
De ser apenas indigente pra nação!

A minha história é regada de bravura
E de fé pura é feita minha oração!
Sou bem capaz de irrigar com meu suor,
Este meu canto conhecido por sertão!

domingo, 31 de maio de 2009

O COMEÇO

O meu interesse pela fotografia, acredito, começou ainda garoto, quando me deparei pela primeira vez com a câmera do lambe-lambe que ocupava um espaço na calçada da sapataria do meu tio todos os domingos, dia da feira livre em Paulo Jacinto, cidadezinha plantada nas ribeiras do rio Paraíba do Meio.

Eu devia ter oito ou nove anos naquela época e dividia o meu dia na feira, entre o vendedor de folhetos de literatura de cordel e o lambe-lambe. Era num desses dois locais que o meu pai sempre me encontrava e comentava com a minha mãe: Sei não Rosa, não sei mesmo o que é que esse menino acha de engraçado no folheteiro e naquele retratista, o menino não arreda o pé de lá nem pra comer!

A minha mãe respondia: é assim mesmo Toínho, o Zé é curioso e tudo pra ele é novidade, ele gosta de ver o homem fazer os retratos e também gosta tanto das histórias dos folhetos que já sabe um bocado delas decoradas, deixa o menino!

Na verdade, a preocupação do meu pai era que a gente não crescesse sem aprender um ofício, tínhamos que ter uma profissão, assim, segundo ele, seria mais fácil enfrentar as dificuldades da vida, quando nos deparássemos com ela já como gente grande. Mas para o meu pai, o oficio ou profissão ideal, era a de sapateiro, com a qual, ele garantia o sustento da sua família e de mais de uma dezena de trabalhadores a quem dava emprego.

Nunca deixei de dar razão ao meu velho, que apesar de não ter estudado, a escola era nossa primeira obrigação, depois vinham as horas na oficina de sapataria e as brincadeiras. A gente tinha tempo pra tudo, inclusive pra ser criança. Coisa que só consegui enxergar depois de adulto.

Mas, voltando a feira e ao lambe-lambe, era mesmo interessante assistir àquele ritual: uma pessoa sentava num pequeno tamborete na frente daquela caixa toda enfeitada de retratos que, por sinal, não tinha ninguém conhecido. O cara enfiava a cabeça dentro da caixa e permanecia lá por alguns minutos e pronto, saía de lá com a foto 3x4 prontinha da silva. Devia ser coisa de mágica, igual a que a gente via no circo.

O lambe-lambe colocava as fotos pra secar penduradas num barbante, presas por pregadores de roupas, do mesmo jeito que o moço fazia com os folhetos de cordel. Mas eu sabia que não tinha nada a ver um com o outro e jamais poderia imaginar que os dois seriam peças importantes para a minha formação como pessoa e como profissional.

Desde cedo eu já curtia os desenhos feitos a lápis pela minha mãe. Ela gostava de desenhar a criançada brincando no terreiro. Não perdia um só detalhe e quando terminava a gente ficava ao seu redor para ver os desenhos, enquanto íamos identificando cada um de nós neles. Era muito legal o trabalho da minha mãe, mas totalmente diferente do cara da feira, que desaparecia com a cabeça dentro da caixa e dela tirava o retrato pronto.

Um dia meu pai chegou em casa acompanhado do moço do retrato. Foi o maior reboliço, minha mãe atônita para ajeitar os sete filhos e mais ela. Meu pai, logo já estava pronto, vestido num paletó de linho, de cor azul, o mesmo que tinha usado no casamento. Estava novinho ainda! Enquanto minha mãe colocou toda a sua beleza num vestido florido, alegre, que acabara de fazer. Parece até que esperava por aquele momento. Chegara a hora de ficarmos todos na frente da caixa, a família ia ser fotografada.

A primeira vez que eu entrei num estúdio fotográfico foi em Viçosa. Tinha acabado de completar doze anos. Fiquei quase sem fala. O que era aquilo? Quantas fotos diferentes das do lambe-lambe! Tinha até retrato de gente de Paulo Jacinto dentro das molduras enormes distribuídas pelas paredes do estúdio.

Que sorte, fomos morar em Viçosa e meu pai montou a oficina de sapataria, justamente em frente a um estúdio fotográfico. Agora, para ver fotos eu só precisava atravessar a rua. E era o que fazia sempre, até que um dia o dono do estúdio atravessou a rua e foi falar com o meu pai. Naquela hora eu pensei o pior: ele vai reclamar da minha presença aqui, para o meu pai.

Ele voltou e me encontrou parado no mesmo lugar, cabisbaixo, encostado numa das portas do estabelecimento, com o coração aos saltos. Aí ele falou: Pronto, acabei de falar com o seu Antonio (meu pai), você vai ficar aqui comigo para aprender fotografia. Não é nem preciso dizer que fiquei sem fala e até hoje, ainda relembro tudo isso com os olhos marejados em lágrimas, que seguramente não brotaram naquele dia, pois a euforia na dava lugar pra mais nada.

A partir daquele dia começou o meu aprendizado como repórter fotográfico. Pois o fotógrafo, acredito, nasceu na feira livre de Paulo Jacinto.

quinta-feira, 28 de maio de 2009

LEMBRANÇAS

Na memória, as imagens mais queridas
Retornam a vida com a força do presente.
Dentre elas, a Serra Grande,
Maior ainda nos meus olhos de menino.
E lá está o Paraíba, como ontem,
Deslizando pelas ribeiras da minha terra,
Correndo pra molhar outras ribeiras
Até chegar na lagoa Manguaba...
Doidinho pra ser do mar!

quinta-feira, 14 de maio de 2009

ACAMPAMENTO

Montei no lombo da vida
Pelas estradas afora
E me atirei...
Distraído com meus sonhos
Sem ter um destino certo
Caminhei.

Encontrei pelo caminho
Outros tantos como eu
Onde passei...
Juntei nossos sofrimentos
Nossos ais, nossos lamentos
E cantei!

Cantei sonhos de caboclo
Roça plantada, colheitas
E sonhei...
Com meus filhos na escola
Para um dia aprender tudo
Que não sei!

Durmo na beira da estrada
Sonhando com a terra amada
Onde acampei...
Mas dentro do meu barraco
Vendo a família ao relento
Despertei!

Pra a triste realidade
Dessa vida desigual
Que só eu sei...
Mas a terra tão sonhada
Quem sabe...
No fim da estrada
encontrarei!

segunda-feira, 11 de maio de 2009

SEU QUITÉRIO

Quando a professora Rosaly me contou a história do percuro, eu achei que era brincadeira ou algum tipo de piada, mas realmente aconteceu com um dos seus alunos. O fato que vou relatar em seguida, também é verdadeiro e aconteceu com outro aluno da Tia Rosaly, o Carlos Eduardo, que para os de casa e os colegas é somente o Edu.

Há dias a professora vinha notando, uma dose acentuada de tristeza no comportamento do Edu. O menino se afastava da turma nas horas das brincadeiras e procurava se isolar dos demais, como se quisesse se refugiar de algo ou de alguém.

Como ele morava numa área considerada de alto risco com relação ao uso e tráfico de drogas, a professora começou a ficar preocupada com o comportamento do garoto que estava perto de completar onze anos de idade, presa fácil para ser conduzida ao mundo dos erros.

Depois de muitas tentativas, a Tia Rosaly conseguiu fazer com que o menino contasse pra ela, o que estava acontecendo ou o que fizeram a ele, para ter sido visto algumas vezes chorando escondido. Já faziam mais de duas semanas que o pequeno Edu tinha mudado completamente o seu comportamento.

- Sabe Tia, se eu fosse grande ia matar o seu Quitério...
- Você não deve nem pode pensar numa coisa dessas.
- Eu penso sim, disse ele choroso.
- O que foi que o seu Quitério te fez de tão ruim, pra você querer matá-lo?
- Ah Tia, ele esculhambou com a minha casa. Comigo num fez nada não, mas meu pai disse que ele fez com a minha mãe.
- Qualquer coisa que ele tenha feito de ruim a vocês tem que ser denunciada a policia. São as autoridades policiais que tem o dever de cuidar dessas coisas.
- Que polícia nada Tia, ninguém encontra ele não, meu pai já procurou que só e nada.
- Afinal, quem é esse seu Quitério?
- Ninguém sabe não, minha mãe jura pro meu pai que não conhece esse homem, mas meu pai num acredita nela e diz que vai embora de casa, mas quando encontrar seu Quitério vai matá-lo.

A professora querendo entender aquela história, cheia de juras de morte, possíveis traições e promessas de abandono de família, continuou sua conversa com o menino Edu, buscando mais detalhes que tornassem claro para ela, aquilo tudo.

- Então Edu, o que seu Quitério fez com a sua mãe?
- Ninguém sabe não. A gente só sabe o que o pai escutou o homem da prestação dizer.
- E o que tem o homem da prestação a ver com tudo isso?
- Oxente Tia, pois é ele que conhece o seu Quitério e foi ele quem fez fuxico lá em casa. Ele disse que voltava, mas nunca mais apareceu.
- E como é que sua mãe conheceu o homem da prestação?
- Porque comprou duas panelas a ele.
- E como botou o seu Quitério nessa história?
- Porque ele queria mais dinheiro da minha mãe e ela disse que não devia mais nada a ele.
- Mais dinheiro? Como assim?
- Ele disse que faltava ela pagar uma prestação e ela disse que pagou todas.
- Sim e depois?
- Aí foi quando começou a confusão, porque ele disse bem assim pra minha mãe: Se você não me pagar vai ficar por conta do seu Quitério. Meu pai ia chegando da rua e ouviu o homem falar isso e já foi logo puxando briga com mãe, dizendo que ela tinha que dizer quem era esse que ia pagar as contas dela.
- Ainda mais Tia, que lá na nossa casa ele não ficava mais enquanto ela não dissesse quem era esse tal de seu Quitério.

A professora respirou aliviada, pegou a mão do menino, fez um carinho de leve e disse: pronto Edu, eu tenho como esclarecer e resolver os problemas da sua casa.
- Então a Tia sabe que é o seu Quitério.
Ela respondeu: sei sim, mas pra resolver tudo, eu preciso que seu pai e sua mãe, venham para a escola junto com você amanhã.

No outro dia, tanto o casal, quanto o menino, ficaram sabendo que o homem da prestação tinha na verdade, falado que o pagamento da parcela que julgava em aberto ia ficar por conta do critério da mãe do garoto.

Com a paz de volta ao lar Edu voltou a ser o menino alegre de sempre e a Tia Rosaly tinha mais uma história para arquivar na prateleira da sua existência.

domingo, 3 de maio de 2009

CENA DO CRIME

O homem estava debruçado sobre o meio fio, com metade do corpo no asfalto. Na rua, a pequena multidão de curiosos se acotovelava para ter uma visão privilegiada de uma cena nada agradável, era mais um assassinato cometido em plena luz do dia, na presença de várias pessoas, mas como outros crimes, sem nenhuma testemunha, apenas cercado por gente que brinca de ver a morte, como se a vida não tivesse nenhum valor.

A polícia, que na hora dos crimes nunca está presente, isolou o trecho da rua numa extensão de duas esquinas. Eram soldados do Bope e da Radiopatrulha, armados até os dentes, para tomar conta do morto, como se ele fosse escapar, coisa que não conseguiu em vida. Entre as pessoas presentes, os mais diferentes comentários sobre o crime, mas nenhuma testemunha.

Mães trouxeram os seus filhos para verem aquela cena, como se fosse a coisa mais natural do mundo. Afinal, era apenas mais um corpo crivado de balas, que tombava em plena via pública. O vendedor de picolés aproveitava para faturar alguns trocados a mais. Lá estavam também, o entregador de gás, o motoqueiro da pizza e tantos outros que deveriam estar cuidando dos seus afazeres. Mas lá, também estávamos nós, eu e a minha parceira de pautas colhendo detalhes sobre aquele assassinato, na verdade, mais uma execução, que provavelmente, entraria para lista dos crimes não esclarecidos, entre os muitos dos que acontecem com muita frequência em Maceió.

Não gosto de fotografar cenas desse tipo, preferia estar no Trapichão fotografando CSA e CRB, mesmo sabendo que não estaria fazendo o registro de uma partida de futebol, mas sim, de uma grande “pelada”, onde a polícia entraria em campo e roubaria a cena, com direito a brincar de soltar bombas de gás lacrimogêneo e borrifar gás pimenta, naqueles que se dizem jogadores de futebol. E na saída do estádio ainda ter que presenciar a tal Mancha, manchar com um vandalismo incontrolado uma noite que tinha tudo para ser do esporte.

Tudo isso eu comentava com a minha pequena parceira, que se encontrava entre o estágio na Gazeta de Alagoas e a correria para terminar o seu TCC, No entanto, notei que ela só prestava atenção no que eu falava, acho, que muito mais por consideração, pois, na verdade eu misturava tudo, parece até que devaneava. É que apesar de já estar a tanto tempo exercendo a profissão de repórter fotográfico, felizmente, ainda não me acostumei com essas cenas de tragédias e crimes.

Daquele local saímos para fazer a cobertura da prisão de um deputado...

domingo, 19 de abril de 2009

GUERREIROS DA LUZ




As fotos (José Feitosa) e o poema Cidadão de Papel(Zé da Feira) fazem parte da Mostra Fotográfica e de Poesia Popular intitulada "Guerreiro da Luz". O poema foi publicado no livro Terra de Canto e Viola (Zé da Feira)

CIDADÃO DE PAPEL

Zé da Feira

Criança tu tens o direito de nascer
E sadia crescer, com total assistência;
Livre do desprezo e da humilhação,
Sendo digna a nação, da tua existência!

Tens direito à escola, mas nas feiras e mercados,
Tu ganhas uns trocados teus fretes tocando;
Também nas esquinas, dos livros, distante,
Sob o sol escaldante, estás trabalhando!

Tens direito a um lar, uma cama macia,
De sonhar e um dia se orgulhar da nação.
Ter família e o respeito de uma vida decente
E não ser um indigente que dorme no chão!

Com um amargo sorriso que brota no rosto,
Tenta apagar o desgosto da vida cruel;
Que te nega o carinho, o amor e o respeito,
Tendo muitos direitos... Mas só no papel!

GUERREIROS DA LUZ



A foto (José Feitosa) e o poema Menino da Roça (Zé da Feira) fazem parte da Mostra Fotográfica e de Poesia Popular intitulada "Guerreiro da Luz". O poema foi publicado no livro Terra de Canto e Viola (Zé da Feira)


MENINO DA ROÇA

Nem bem o sol nasce lá vai o menino,
Cumprir seu destino na lida pesada;
Não pode ter sonhos, nem fantasias,
Só conhece a agonia dos eitos e da enxada!

É uma criança, mas tem que trabalhar,
E na terra plantar, pra ganhar seu sustento;
Trabalha alugado com seu pai que é pobre
E quem não tem cobre, só tem sofrimento!

A poeira fatiga seu corpo pequeno,
Bronzeado, moreno, pelos raios do sol;
O suor que transpira, embebe seu rosto,
Já acostumou com o gosto do próprio suor!

Menino da roça, guerreiro valente,
Sua dor quando sente, não chora seus ais;
De foice na mão, bem ágil e ligeira,
Vai abrindo clareiras nos canaviais!

É o menino da roça, que acima de tudo,
Sem direito ao estudo, explorado, infeliz;
Vai com sua coragem e sua nobreza,
Gerando riquezas para o nosso País!

terça-feira, 14 de abril de 2009

HONESTAMENTE

A festa era grande demais para comemorar os dez quilômetros de recapeamento da AL 220, num trecho entre Arapiraca e uma comunidade próxima. Tinha carro de som, meninos trajando fardamento da escola pública da localidade e um punhado de curiosos com atenção voltada para um sujeito vestido num terno cor de rosa, que parecia mais um cabo eleitoral da Tereza Nelma. Mas não poderia ser, pois, no nosso modelo eleitoral rola muita coisa esquisita, mas ainda não temos vereador estadual.

De vez em quando éramos sobressaltados com os tiros dos fogos de artifícios, ainda bem que eram fogos... Do jeito que a coisa anda, qualquer tirinho mete susto. Mas tudo estava pronto para o cortamento de fitas, com direito a discursos e tudo mais, só faltava o “cara”, que não era outro senão o governador. Ele mesmo, o que tem o nome do menestrel das Alagoas, e, que iniciou o mandato fazendo o maior reboliço da história desta nossa terra, causando o descontentamento de todas as categorias dos servidores públicos estaduais.

Foram greves longas, que nós pagamos em dia, sem atraso de salários. Atraso só na nossa vida, como sempre, somos nós que pagamos o pato. Se o “cara” apronta, sobra pra nós, se a turma dos muitos que já não gostam de trabalhar faz greve, sobra também pra nós, que já dispomos da prestação de um serviço público que deixa muito a desejar. Mas essa é uma história pode ser contada em outra oportunidade. Voltemos à inauguração dos dez quilômetros de recapeamento.

O governador chegou acompanhado de uma frota de carros, muitos deles oficiais, que mais parecia carreata eleitoral e junto com ele estava o inseparável senador, aquele mesmo, o do escândalo sexual que lhe custou a Presidência do Senado e uns pontinhos a menos, na coleção dos prestigiados e prediletos freqüentadores do Palácio do Planalto.

Iniciado os discursos, eu tirei os meus retratinhos para serem publicados na página de política da Gazeta de Alagoas e fiquei dando um giro pela periferia do pequeno público, com a intenção de ouvir alguns comentários. Afinal de contas, o prestigio do “cara” não estava lá muito grande, muito pelo contrário. Percebi que atento às suas palavras, só os que faziam parte da caravana e uma meia dúzia de pessoas que queriam tirar proveito da presença dele, naquela comunidade.

O sol estava abrasador, fui procurar abrigo debaixo de uma árvore, num pequeno espaço que sobrou entre dois cidadãos, exatamente hora em que o governador anunciava para o senador e convidava o mesmo a ficar preparado, pois, a partir daquela data, toda semana estaria inaugurando uma obra e disse: “acredite, senador, que não serão poucas, vamos fazer uma obra atrás da outra”. Um dos cidadãos que estava ao meu lado resmungou para o outro: “Agora é que o homem vai fazer merda”.

Não sei se “honestamente”, mas acho que nunca se fez tanta...

sábado, 11 de abril de 2009

Ô MARÉ!

Aquela maré não estava pra peixe, principalmente, tratando-se de um peixe tão minúsculo, fácil de ser arrastado até a areia e ficar naquele vai e vem das ondas que iam e voltavam, em movimentos repetidos como se estivesse a fim de livrar-se do coitado, que cada vez era arremessado mais longe. Pela primeira vez na vida eu era um peixe e não estava gostando nada da experiência.

De repente, senti que estava no ar, fui jogado longe da linha da maré, não tinha como voltar para água e tinha dificuldade para respirar, era uma sensação terrível, estava asfixiado e naquela hora, qualquer poça de lama seria para mim um verdadeiro oásis. Estava perdido naquele mar de areia e o meu destino, pelo visto, não era nada bom.

Espera aí! Como vim parar dentro de um aquário cheio de peixes mal encarados e dentuços, bem maiores que eu? Não era correto o que estava acontecendo comigo, não acredito que fosse merecedor de tudo aquilo. Precisava sair daquele aquário urgente, antes que virasse refeição para aquela galera, que não tinha nenhum compromisso com a minha saúde.

Precisava encontrar uma saída antes que fosse devorado, mas que situação... Se saltasse fora do aquário, não teria como sobreviver. Se ficasse seria o antepasto do dia. Quando tudo parecia perdido, a salvação! Alguém colocara um copo d’água ao lado do aquário, eu só teria que fazer um impulso com força suficiente para saltar e alcançar o copo d’água, que para mim mais parecia uma piscina.

Reuni todas as forças que me restavam e me arremessei de dentro do aquário e dessa vez quando ainda estava no ar, não pude ver o que aconteceu em seguida...

Acordei!!!

terça-feira, 31 de março de 2009

FARTURA

Era o ano de 1982 e a campanha eleitoral estava começando a esquentar, os comícios cada vez mais cheios, o público comparecia atraído tanto pela novidade do princípio de abertura política que acabaria com um regime que já dava sinais de agonia, como pela curiosidade de conhecer os candidatos e suas propostas. Isso porque só o partido da situação tinha condições financeiras para contratar artistas para servir de chamariz e atrair público. A oposição era só no discurso mesmo.

Naquela época eu trabalhava na Tribuna de Alagoas, situada na Rua do Sol, Centro de Maceió e tinha sido convidado pelo candidato majoritário da oposição para trabalhar como fotógrafo da campanha. Não poderia imaginar que iria topar pelo caminho com algumas situações fora das minhas previsões, que nada tinham a ver com a minha profissão de retratista e sim, com a de fazedor de rimas. Na verdade, eu sempre gostei da idéia de ser metido a escrevedor de versos, mas não passava pela cabeça que eu devia ser dizedor de versos. Dizedor sim, pois declamador já era demais da conta.

Estávamos naquele final de semana percorrendo as principais cidades do alto sertão alagoano e tínhamos como ponto de apoio Delmiro Gouveia. Os comícios aconteciam nas cidades vizinhas, mas a gente dormia em Delmiro, onde encerraríamos aquela jornada com um grande comício no domingo, pois o sábado estava reserva para os governistas.

Só que no sábado a noite, quando chegamos à cidade para dormir, ainda estava acontecendo o comício do candidato da situação, eu, por curiosidade fui ver a festa dos outros e cheguei justamente na hora em que o candidato a governador estava iniciando sua fala, que seria também, a última da noite.

Naquele instante, no sertão, que já fazia alguns anos, sofria com uma seca terrível, começou cair alguns tímidos pingos de chuva, fato que motivou o candidato a desviar um pouco do seu roteiro discursivo para fazer a seguinte fala: “Vocês estão vendo meus irmãos sertanejos, que o que a gente está pregando aqui é a pura verdade. E tanto é verdade o que eu digo que até São Pedro se emocionou tanto, que chorou para com suas lágrimas irrigar a terra sertaneja e todos nós sabemos que a terra sertaneja irrigada é sinal de fartura...”

Antes que ele terminasse totalmente o seu raciocínio, um caboclo no meio da multidão tirou o chapéu de couro da cabeça, com a mão esquerda segurou-o na altura do peito, levantou a mão direita e gritou: “Dotô, num peça mais fartura pra nóis não, que aqui já tá fartando tudo!”

No dia seguinte, durante o café da manhã relatei aos presentes, inclusive para o nosso candidato a governador, o lance do caboclo no comício da situação. Todo sorriu um pouco e pensava eu, a coisa tinha parado por ali. Engano, chegou a hora do nosso comício, a principal rua do Centro da cidade estava tomada pelo povo e eu lá tirando as fotos que seriam publicadas na edição da terça-feira da Tribuna de Alagoas.

Zé da Feira como estão os versos, perguntou-me o candidato a governador e eu respondi: sempre escrevendo e guardando. Ele continuou: mas você só escreve e não declama? Eu disse: porque eu escrevo literatura de cordel, são estórias longas. Ele voltou à atenção para o comício e eu para a minha atividade.

Aproximava-se o momento da fala do candidato ao governo, eu estava em baixo, na frente do palanque e ele fez sinal para que eu subisse, pensei que seria para dar alguma sugestão de fotos, mas... Surpresa. Ele pediu para segurar o meu equipamento e falou para o locutor: antes de mim anuncie o Zé da Feira que ele vai fazer uns versos pra descontrair o povo. Gelei de cima a baixo. Acho que nunca tremi tanto na minha vida. O que iria falar, pelo amor de Deus? De repente veio a idéia, contar a história da noite anterior completando com uns versos que teria que fazer de improviso.

Ainda tinha uns de cinco minutos até eu ser anunciado. Respirei fundo, rememorizei a história e tentei imaginar alguns versos para completá-la. Mas o mais difícil, ainda era controlar a tremedeira. Lá fui eu para os microfones, onde fui buscar coragem? Não sei. Mas contei a história certinha e caboclo da noite anterior se identificou no meio da multidão, confirmando o que eu estava falando, então aproveitei a deixa e soltei: pois bem, já que o “homem” ontem falou de fartura, vamos contar do nosso jeito como é de verdade toda essa fartura.

E saiu, não sei como, os seguintes versos:

Quem tem dinhêro e pudê
Num sabe o que é vida dura,
Num conhece a miséra,
A dor, a fome, a amargura;
O rico é abastecido
Num é coma nóis desnutrido
No mei de tanta fartura!

E toda essa fartura
Vô lhe dizê Cuma é:
É fartá casa pra morá
E dinhêro pru alugué;
Farta saúde, inducação,
Farta farinha, fejão,
Farta pão, leite e café!

Farta trabáio, emprego,
Farta terra pra prantá,
Pra nóis póbe farta tudo
Qui si possa imaginá
E cum tanta fartura assim,
Toda peste de ruim
Pra nóis nunca vai fartá!

A partir daquela noite, estava selada a minha sorte também com dizedor de versos.

segunda-feira, 30 de março de 2009

O VELHO CHICO

Era de longe que se ouvia o seu cantar tamanha era sua alegria e afoiteza. Tinha força e disposição para vencer qualquer obstáculo à sua frente. Em certos momentos, parecia até, que estava furioso tamanho era o reboliço que fazia, antes de sair peitando as pedras, moldando o leito aonde ia se deitar e deslizar sereno, no rumo do mar.

É verdade, desde quando resolveu descer as serras lá dos Gerais e deixar para traz as terras férteis e verdejantes onde nasceu, é porque queria ser do mar. Era lá que tinha que chegar carregando consigo, uma história, cheia de lendas e mitos, de prosas e cantorias, de alegrias e sofrimentos, de resistência e bravura. História contada por uma gente barranqueira, que não fraqueja na fé que alimenta a esperança de que esse velho amigo vai sempre reunir forças suficiente para resistir a tantos maus tratos.

Dói de tristeza não ouvir mais o cantar do “Velho Chico”, saltando do topo da cachoeira que não existe mais (Paulo Afonso), pra deitar seu corpo por inteiro num sertão necessitado que é e maculado de tanta sede e precisão. Que vive à margem do progresso prometido com a construção das hidroelétricas, e, ainda tem que presenciar o sofrimento do rio São Francisco – o maior presente de Deus para os sertões nordestinos – definhado em seu leito, numa agonia premeditada pela ignorância de quem estudou para ser “inteligente”.

Calaram-lhe a voz...

E o que é pior: não desistem nunca de atentarem contra sua saúde minando cada vez mais as suas forças. A ignorância é insistente na sua agressividade. Mas mesmo agonizante e enfermo; carente que está de cuidados, o Velho Chico continua teimoso no seu caminhar, levando nas suas águas toda esperança e toda a fé, de um povo que quer vê-lo vivo e sadio, entrando no mar, com toda aquela afoiteza que Deus lhe deu e que só a inteligência dos burros, ainda teima em querer tirar!

terça-feira, 3 de março de 2009

O PERCURO

Aquele não era um dia qualquer para o pequeno Vicente, de nove anos de idade. Era um dia muito especial, pois, tinha novidades para contar à todos os amigos da escola, começando pela sua turma. A ansiedade estava explícita nos seus olhos ajaboticabados e de um negro cintilante, que naquela manhã brilhavam bem mais do que nos outros dias; detalhe que não passou fora da observação da sua professora, a tia Rosaly, como era carinhosamente chamada pelos seus alunos.

Dificilmente, o menino chegava triste na escola, apesar de levar uma vida cheia de dificuldades e privações, dividindo com os pais e mais três irmãos o apertado espaço de um pequeno barraco coberto com telha de amianto e com as paredes construídas em taipa e restos de madeiras de construção, erguido numa das encostas da periferia da capital alagoana. mas ele gostava muito do convívio na escola, era onde tinha amigos e espaço para brincar. Só que a alegria do menino, naquela manhã quente de novembro, era totalmente diferente do que a professora e os coleguinhas estavam acostumados a ver. O Vicente estava inquieto e falante demais e para não atrapalhar a aula, a tia Rosaly resolveu tomar conhecimento do motivo de tanta excitação do garoto.

Era só o que ele estava esperando, uma oportunidade para começar a contar a sua novidade de forma coletiva, que era mais producente, porque na hora do recreio teria de contar aos pingados. E iniciou o relato da seguinte forma:

- Tia a gente lá de casa não precisa mais ir ver televisão na casa do seu Márcio Batista, meu pai ontem acabou com essa história.
- Como assim, indagou a professora.
- É que meu pai ganhou um dinheirinho e foi lá no mercado de Maceió e comprou uma tv e um percuro, agora desde ontem a noite a gente assiste a novela na nossa casa e na nossa televisão, com o percuro ligado.
- Mas afinal de contas, o que é o percuro, quis saber a tia.
- Como a tia não sabe? arregalou os olhos e sorriu com ar de dominador da situação e mandou ver:
- É aquele negócio que roda fazendo vento e sai percurando a gente prum lado e pra outro.

A partir daquele dia a professorinha ficou sabendo que para o pequeno Vicente, o nome do ventilador que gira é percuro, e, acrescentou mais uma palavra no seu vocabulário.

segunda-feira, 2 de março de 2009

ESTÓRIA DE CABOCLO

Seu Joca, caboclo, nascido nas barrancas do sertão do Velho Chico, pescador de muitas estórias e vaqueiro de muitas vantagens e proezas, vividas no lombo do seu já inexistente cavalo “Bodoque”, durante as pegas de boi brabo, na caatinga fechada, correndo estreito entre mandacarus, xique-xiques, rasga-beiços e outras espécies da vegetação nativa das caatingas do Nordeste Brasileiro.
Bem humorado, sempre tinha uma resposta pronta na ponta da língua, para qualquer pergunta, desde que lhe favorecesse, é claro. Só ficava encabulado quando perguntavam a sua idade, coisa que ele escondia até da dona Maroca, sua companheira, que o ajudava concordando sempre com as respostas vantajosas a favor do caboclo.
Com certeza, seu Joca já transportava sobre ombros, no mínimo, umas sete décadas de existência, demarcando com os seus rastros, as léguas de caminhos daquela terra sertaneja que lhe viu nascer com a graça de Deus, na ribeira do rio São Francisco.
Um dia, um moço vindo da cidade, contratado pelo IBGE para fazer o censo daquela região, apeou na porta da casa do seu Joca e depois de alguns dedos de prosa, onde o assunto principal girava em torno das grandes pescarias e das excitantes e perigosas pegas de bois, das quais o caboclo Joca era sempre o personagem principal; iniciou a entrevista para coleta das informações, motivo pelo o qual tinha chegado até aquelas paragens.
A conversa ia de boa para melhor, até que num exato momento, inevitavelmente, o rapaz perguntou a idade do caboclo.
Ele ficou vermelho, tirou o cigarro de palha que descansava atrás da orelha, acendeu-o, deu duas baforadas, assuntou um pouco e disparou:
- Óia aqui moço, a conversa bem que tava boa, eu já tava inté tomando gosto na prosa, mais já tá na hora de nóis mudá de assunto.
Como o rapaz insistiu, ele respondeu:
- Num acha que é farta de inducação querer saber a idade dos outros? Se for pra móde saber se eu voto, eu posso responder que já votei muitas veiz e agaranto que ninguém consegue votá mais do que eu. Só pra vosmicê ter idéia, na última inleição eu votei a mando do coroné Sinhô, em trêis lugá deferente. Agora se vosmicê tá tão curioso com a minha idade, quantos anos imagina que eu tenho?
O rapaz para ser agradável e tentando chegar à verdadeira idade do Seu Joca, deu um palpite bem generoso:
Uns cinqüenta, não mais, eu acho...
Um sorriso abriu-se largo, no rosto do velho caboclo, que gritou para a companheira: Vem cá Maroca, danou-se! O cabra é sabido de mais! Vem logo muié, vem conhecer um adivinho.
E a dona Maroca, torcendo a ponta da inseparável toalha branca, que carregava sobre o ombro esquerdo, arrematou:
- Ô Joca, entonse aproveita e pregunta pra o moço, pra móde vê se ele aduvinha quando vai chuver pur essas banda.
E o recenseador teve que ir embora, levando na prancheta os cinqüenta anos de idade que ele mesmo propôs para o caboclo Joca.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

COMEÇO DE PROSA

O meu avô materno, foi um grande contador de estórias e de "causos". De prosa fácil e farta, sempre chamava a atenção das pessoas presentes às suas narrativas, quando elas tentavam fazer barulho e atrapalhar a concentração dos atentos dizendo: "Só aprende a contar estórias, àqueles que aprendem primeiro ouvir estória". Esta frase tem me acompanhado até os dias de hoje, e, sempre me foi de grande utilidade, desde quando descobri que a minha vida ganhou um sentido todo especial, quando, ainda adolescente entrei timidamente, pela primeira vez, numa redação de jornal.
Alí, por detraz das velhas máquinas de escrever, que se destacavam sobre os birôs polidos pelo verniz do tempo, haviam pessoas, que nem sequer notaram a minha presença ou fingiam que não notavam. Também pudera, eu não tinha nenhuma significância para despertar a atenção de alguém, muito menos, daqueles que estavam alí concentrados e determinados em não perder o rumo das suas histórias.
Sentí naquele momento, que não teria nenhuma dificuldade de adaptação àquele ambiente, parecia até, que eu já o conhecia, talvez não com aquele formato, mas no formato dos sonhos de um menino que acreditava que um dia seria um contador de estórias. Não como o meu avô Ângelo Feitosa e sim, um contador de estórias que falasse da realidade das pessoas, das estórias do nosso tempo e do tempo que estava por vir. Como faziam aquelas pessoas por traz das máquinas de escrever. Só que eu queria contar as estórias do meu jeito, através das imagens que logo cedo aprendi a guardar dentro da minha Rolleyflex.
Assim, como coletor de imagens e arquivista de sonhos, botei o pé na estrada e comecei a contar do meu jeito as histórias da nossa gente e da nossa terra, com o privilégio de ter como companheiros de trabalho e de profissão, todos aqueles contadores de histórias que pela primeira vez na redação do saudoso Jornal de Alagoas.
Agora, estou eu aqui, embarcando na aventura de contar algumas das histórias e estórias vividas e ouvidas, durante esta minha trajetória de retratista insistente, metido a fazedor de rimas.
Ah! esta estória do fazedor de rimas eu vou contar mais adiante.