domingo, 31 de maio de 2009

O COMEÇO

O meu interesse pela fotografia, acredito, começou ainda garoto, quando me deparei pela primeira vez com a câmera do lambe-lambe que ocupava um espaço na calçada da sapataria do meu tio todos os domingos, dia da feira livre em Paulo Jacinto, cidadezinha plantada nas ribeiras do rio Paraíba do Meio.

Eu devia ter oito ou nove anos naquela época e dividia o meu dia na feira, entre o vendedor de folhetos de literatura de cordel e o lambe-lambe. Era num desses dois locais que o meu pai sempre me encontrava e comentava com a minha mãe: Sei não Rosa, não sei mesmo o que é que esse menino acha de engraçado no folheteiro e naquele retratista, o menino não arreda o pé de lá nem pra comer!

A minha mãe respondia: é assim mesmo Toínho, o Zé é curioso e tudo pra ele é novidade, ele gosta de ver o homem fazer os retratos e também gosta tanto das histórias dos folhetos que já sabe um bocado delas decoradas, deixa o menino!

Na verdade, a preocupação do meu pai era que a gente não crescesse sem aprender um ofício, tínhamos que ter uma profissão, assim, segundo ele, seria mais fácil enfrentar as dificuldades da vida, quando nos deparássemos com ela já como gente grande. Mas para o meu pai, o oficio ou profissão ideal, era a de sapateiro, com a qual, ele garantia o sustento da sua família e de mais de uma dezena de trabalhadores a quem dava emprego.

Nunca deixei de dar razão ao meu velho, que apesar de não ter estudado, a escola era nossa primeira obrigação, depois vinham as horas na oficina de sapataria e as brincadeiras. A gente tinha tempo pra tudo, inclusive pra ser criança. Coisa que só consegui enxergar depois de adulto.

Mas, voltando a feira e ao lambe-lambe, era mesmo interessante assistir àquele ritual: uma pessoa sentava num pequeno tamborete na frente daquela caixa toda enfeitada de retratos que, por sinal, não tinha ninguém conhecido. O cara enfiava a cabeça dentro da caixa e permanecia lá por alguns minutos e pronto, saía de lá com a foto 3x4 prontinha da silva. Devia ser coisa de mágica, igual a que a gente via no circo.

O lambe-lambe colocava as fotos pra secar penduradas num barbante, presas por pregadores de roupas, do mesmo jeito que o moço fazia com os folhetos de cordel. Mas eu sabia que não tinha nada a ver um com o outro e jamais poderia imaginar que os dois seriam peças importantes para a minha formação como pessoa e como profissional.

Desde cedo eu já curtia os desenhos feitos a lápis pela minha mãe. Ela gostava de desenhar a criançada brincando no terreiro. Não perdia um só detalhe e quando terminava a gente ficava ao seu redor para ver os desenhos, enquanto íamos identificando cada um de nós neles. Era muito legal o trabalho da minha mãe, mas totalmente diferente do cara da feira, que desaparecia com a cabeça dentro da caixa e dela tirava o retrato pronto.

Um dia meu pai chegou em casa acompanhado do moço do retrato. Foi o maior reboliço, minha mãe atônita para ajeitar os sete filhos e mais ela. Meu pai, logo já estava pronto, vestido num paletó de linho, de cor azul, o mesmo que tinha usado no casamento. Estava novinho ainda! Enquanto minha mãe colocou toda a sua beleza num vestido florido, alegre, que acabara de fazer. Parece até que esperava por aquele momento. Chegara a hora de ficarmos todos na frente da caixa, a família ia ser fotografada.

A primeira vez que eu entrei num estúdio fotográfico foi em Viçosa. Tinha acabado de completar doze anos. Fiquei quase sem fala. O que era aquilo? Quantas fotos diferentes das do lambe-lambe! Tinha até retrato de gente de Paulo Jacinto dentro das molduras enormes distribuídas pelas paredes do estúdio.

Que sorte, fomos morar em Viçosa e meu pai montou a oficina de sapataria, justamente em frente a um estúdio fotográfico. Agora, para ver fotos eu só precisava atravessar a rua. E era o que fazia sempre, até que um dia o dono do estúdio atravessou a rua e foi falar com o meu pai. Naquela hora eu pensei o pior: ele vai reclamar da minha presença aqui, para o meu pai.

Ele voltou e me encontrou parado no mesmo lugar, cabisbaixo, encostado numa das portas do estabelecimento, com o coração aos saltos. Aí ele falou: Pronto, acabei de falar com o seu Antonio (meu pai), você vai ficar aqui comigo para aprender fotografia. Não é nem preciso dizer que fiquei sem fala e até hoje, ainda relembro tudo isso com os olhos marejados em lágrimas, que seguramente não brotaram naquele dia, pois a euforia na dava lugar pra mais nada.

A partir daquele dia começou o meu aprendizado como repórter fotográfico. Pois o fotógrafo, acredito, nasceu na feira livre de Paulo Jacinto.

7 comentários:

Paulinha Felix disse...

Poxa, que lindo!!!! Na nossa longa caminhada pela Fernandes Lima (naquela passeata de estudantes), você me contou algumas passagens, ocorridas em Viçosa, de sua relação com a fotografia. Só não imaginava que tudo tinha sido tão belo assim.

Sinto que o nosso destino está sempre nos chamando para perto dele... Meio sem palavras, o texto me tocou, como sempre me tocam as histórias de amor por um ofício (ou por qualquer coisa).

Um beijo, Feitosa!

Thiago Sá disse...

Thiago Sá disse...

Thiago Sá disse...

diga tio!

Só pra falar que sou frequentador das suas histórias e que até hoje estou encucado com aquela do Peixe, Ô Maré, fiquei com vontade de fazer uma animação. Sugeri para um amigo meu que é cartunista e ele gostou muito da idéia também. Vamos ver se sai alguma coisa...

Bom, também tô brincando com esse trem de blog. Pra mim tá sendo ótimo, é como se fosse uma autoterapia mesmo. Tô esperando o cs aqui pro casório!

Abração,

Thiago Sá

José Feitosa (Zé da Feira) disse...

Valeu Thiago!

Legal saber que vc tá visitando esse espaço, que na verdade, funciona também como terapia. tanto é, que estou rebuscando lembranças antes que a memória as delete.
Quanto ao casório, se pudermos, com certeza estaremos aí.

Abração.

Zé Feitosa

Telminha disse...

Marejados tb ficaram meus olhos ao ler as suas lembranças! Meu coração tb pulou! rsrsrs

Saudade, Zé...

Telminha (Telma Elita)

Unknown disse...

Como sempre você sabe contar as histórias de uma maneira brilhante. Você trás vida ao passado e faz com que a gente viaje e se sinta na história ao ler. Quero ver esse retrato, rsrsr
Beijos Feitosinha!